Sempre surgem reflexões preciosas sobre a Palavra de Deus e a partir dela em nossas comunidades. Este é um fato que nos é sempre motivo de alegria, pois a Palavra de Deus é luz para os nossos passos, conforme o salmista (Sal 118,105).Todavia, compreensões não católicas por vezes se infiltram no nosso meio de forma tão violenta que nosso povo se encontra encurralado quando questionado acerca de elementos da Palavra. Quem nunca foi abordado por um irmão de outra denominação com as perguntas “me mostra na Bíblia”, ou “cadê isso na Palavra?”. Muito bem intencionados os fieis se desesperam em procurar todas as justificativas da fé católica na Bíblia na tentativa de devolver na mesma moeda o desafio feito. Na verdade não é este o caminho. Deve estar claro para nós que somos a religião da PALAVRA, e não do Livro. A Palavra não se restringe ao texto da Sagrada Escritura, mas ela é o Verbo de deus que se encarnou, isto é, Jesus Cristo. Palavra, portanto, não é um livro, mas uma pessoa (Verbum Domini 7). Jesus é a Palavra de Deus, antes mesmo que a Bíblia o seja. Para nós católicos, portanto, a Palavra de Deus está contida na Bíblia que é a Palavra de Deus escrita, mas também na Tradição apostólica e no Magistério da Igreja que transmite esta Tradição ao longo de dois mil anos. Tradição e Magistério são veículos da Palavra tanto quanto a Bíblia, e disso a própria Bíblia nos dá testemunho. O evangelista João deixa claro que muitas outras coisas foram feitas por Jesus que não estão escritas (Jo 21,25). Paulo exorta os tessalonicenses a obedecerem não só o que lhes foi ensinado por escrito, mas também por tradição oral (II Ts 2,15). Os apóstolos o conviveram com o Senhor, tocaram e viram a Palavra Encarnada da Vida (IJo 1,3). Aquilo que está escrito na Bíblia é, portanto, fruto de uma experiência apostólica com Jesus, o que torna a Escritura filha da Tradição. Uma não pode e nem deve ser entendida sem a outra, pois é a Tradição viva da Igreja que nos faz compreender adequadamente a Sagrada Escritura como Palavra de Deus, (Verbum Domini 17). A Bíblia foi escrita NA Igreja e PELA Igreja. Sendo assim, nada a Igreja deve crer fora da Escritura. Mas também nada na Escritura deve ser lido ou interpretado fora da Fé da Igreja e de sua tradição apostólica de dois mil anos. De igual modo, o Magistério da Igreja é a composição do colégio dos bispos do mundo todo em comunhão com o papa, responsável por transmitir ao longo dos séculos a Palavra de Deus escrita na Bíblia e contida na Tradição. Ninguém pode pretender compreender a Palavra de Deus sem que tal compreensão passe pela interpretação do Magistério, pois “nenhuma profecia da Escritura é passível de interpretação particular” (II Pe 1,20). É ao Magistério da Igreja que compete o encargo de interpretar a Palavra de Deus escrita ou contida na Tradição (DeiVerbum 10). Este “tripé” da Revelação divina é para nós católicos de fundamental importância para que não nos percamos na leitura bíblica resvalando em interpretações erradas sobre os diversos textos sagrados. Quando questionados, portanto, sobre onde está essa ou aquela doutrina de nossa fé, basta saber que ela é ensinada pela Igreja de dois mil anos, a Igreja que estipulou o cânon bíblico no Novo Testamento com os evangelhos e epístolas que ali estão; a Igreja que transmite a Tradição e a ensino pelo Sagrado Magistério. Por isso, todos os domingos proclamamos solenemente que cremos na Santa Igreja Católica, pois éela (a Igreja) a grande serva e guardiã da Palavra de Deus.
Entenda uma coisa: TUDO o que a fé católica crê está sim na Bíblia no sentido de que os FUNDAMENTOS estão ali escritos. O problema é que, quando nos perguntam “onde está na Bíblia” na verdade não é apenas essa a pergunta que estão querendo fazer. Afinal, se mostrarmos “onde” está nos dirão “ah, mas esse trecho não quer dizer isso que vocês dizem”. Então a pergunta que pretendem fazer é outra. A pergunta é “como vocês leem isso na Bíblia?” e não “onde isso está?”. Os critérios para se interpretar o texto são tão ou mais importantes quanto o texto em si, mas o texto em si mesmo é apenas texto, mas o texto com a sua interpretação e iluminação divina se torna Palavra de Deus. O antigo problema, portanto da querela “Onde está na Bíblia?”, precisa ser resolvido com outra pergunta: “Quais critérios serão válidos para interpretar o texto quando eu mostra-lo a você?” e “De quem é a autoridade para dizer que o texto quer dizer ‘isso’ e não ‘aquilo’?” Creio que ninguém se oporia a afirmar que a autoridade que determinou que esse texto pode estar na Bíblia e outros não, é a mesma autoridade que pode interpretá-la e dizer o que ela verdadeiramente está falando. Ora, essa autoridade é o Magistério da Igreja. Foram os bispos da Igreja Católica em comunhão com o papa que ao longo dos séculos determinou quais livros fariam parte do cânon bíblico, isto é, da lista de livros que podiam ou não ser inspirados por Deus para a leitura nas comunidades cristãs. Ora, a Igreja teve autoridade para dizer o que seria “Bíblia” ou não, mas não tem autoridade para dizer o que ela quer ou não dizer? Mas se ela não tem autoridade para interpretar o texto, então também não teve autoridade para determinar que Mateus é evangelho inspirado. Logo, tanto faz ler Mateus quanto o apócrifo de Tomé ou de Maria Madalena. Sabemos a que confusão isso levaria a fé cristã, não é mesmo. Tendo estes elementos da Revelação Cristã em vista, estaremos sempre seguros de que a Palavra de Deus por nós aprendida e ouvida é de fato luz, guia, bússola segura quando usada na barca verdadeira que é a Igreja. Como membros da Igreja que somos esta bússola nos deve nortear em todas as escolhas, atitudes e posturas cotidianas. Para isso se faz necessário um contato diário com a Palavra de Deus contida na Escritura bíblica. A leitura orante, conhecida como lectio divina, é um grande instrumental nas mãos do fiel cristão. É fundamental todos os dias tomara leitura proposta pela liturgia corrente, ler com atenção, orar ao Espírito Santo para que traga luzes sobre o texto lido e louvar a Deus por aquilo que Ele sempre nos fala quando fazemos este exercício. Faça você essa experiência enriquecedora com a Palavra de Deus, pois “ quando lês, é Deus que te fala” (Santo Agostinho). Ali a Palavra nos fala à vida pessoal e também à vida comunitária, e aos compromissos que temos em Cristo com nossos irmãos; a Palavra de Deus constrói comunidade e, por isso mesmo, a leitura comunitária da Palavra deve ser fomentada neste mês como meio de amadurecer nos vínculos cristãos. Que a Virgem Maria, aquela que gerou em seu próprio seio a Palavra de Deus, nos ensine a sermos ouvintes atentos desta Palavra que é seu próprio filho. E que em contato orante com a Sagrada Escritura aprendamos sempre mais a fazer tudo o que Ele nos disser (Jo 2,5)