A Liturgia no Período do Império

Desde seus primórdios a Igreja cristã se reúne para celebrar os mistérios de Cristo. Nos primeiros decênios de Cristianismo, não havia clareza quanto à distinção entre nazarenos (cristãos) e judeus. Aliás, num Judaísmo cuja essência comportava diversos segmentos partidários, conclamar Jesus de Nazaré como Messias implicava meramente – para muitos – em constituir mais um dentre tantos destes partidos religiosos já existentes na época.

Entretanto, esses nazarenos já sentiam necessidade de realizar práticas litúrgicas apartadas daquelas do Templo e das sinagogas ainda …….

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O Ecumenismo e a Doutrina Social

O Ecumenismo e a Doutrina Social

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Os partidos políticos da Palestina e a espera do Messias – Jesus Chama os discípulos e funda a Igreja

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Uma pneumatologia para a nossa pastoral

Uma pneumatologia para a nossa pastoral: Mística e ação na modernidade inspirada na história antiga da Igreja

Resumo:

 A Igreja na América Latina é caracterizada por sua versatilidade pastoral e crescente preocupação em acompanhar as rápidas mudanças da modernidade oferecendo respostas à evangelização em tais circunstâncias. Todavia, é necessário que essa versatilidade não seja apenas uma adaptação eclesial a uma mentalidade imediatista não evangélica. A produção de resultados pastorais deve motivar-se por uma mística inspiradora e libertadora, e não por metas a serem quase que empresarialmente batidas. Ainda que o homem moderno seja o foco da evangelização, não será ele nosso motivador, e sim Cristo que nos impele e modera pela efusão do Espírito Santo desde os primórdios da Igreja.

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O coração de Jesus e o Ministério Sacerdotal !

O Coração de Jesus e o Ministério Sacerdotal

Hoje nos encontramos aqui novamente no dia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus como sendo também dia de santificação dos sacerdotes. A proposta de um dia de santificação dos sacerdotes justamente neste dia foi feita por São João Paulo II no dia 25 de Março de 1995. Era a festa da Anunciação do Senhor e, naquele dia, o papa escreveu uma carta aos sacerdotes falando da importância da mulher e da figura feminina da vida do sacerdote[1] (um texto bastante interessante que vale a pena ser lido).

Ao final da carta ele disse que achou oportuno acatar uma proposta que a Congregação do clero havia feito para que se celebrasse todos os anos, em cada diocese, um dia de santificação dos sacerdotes, e a sugestão era para que fosse o dia do Sagrado Coração de Jesus.

Por que exatamente esta data? Parece bastante óbvio que seja nesse dia por conta da passagem em que Deus fala pelo profeta Jeremias que daria ao povo pastores segundo o Seu coração (Jr 3,15: E dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com ciência e com inteligência). A Igreja sempre leu esse texto como tendo o seu cumprimento em Jesus de Nazaré. Não há dificuldade em fazer essa sincronia textual.

Mas é bastante necessário, irmãos, nós tentarmos num dia como esse sondar, abstrair ao máximo outras razões possíveis para que o dia de santificação e oração tenha sido justamente colocado nesta solenidade. Não razões opostas a essa primeira, mas razões decorrentes dela. Digo isso porque com certeza haveria outras datas tão pertinentes quanto essa pra serem escolhidas no calendário litúrgico. Poderia ser, por exemplo, um dia qualquer na semana do Bom Pastor, poderia ser a própria quinta-feira santa sem que se pensasse outra data além dela mesma, poderia ser no dia de São João Maria Vianney; enfim, diversas datas seriam oportunas.

Há uma primeira (além da já mencionada relação com o texto de Jeremias) que eu gostaria de propor como objeto da nossa meditação. Eu chamaria essa data de “espelho litúrgico da encarnação”. Explico: o calendário litúrgico foi disposto de um modo que no ciclo de 12 meses do ano existem alguns mistérios da salvação que são revisitados semestralmente para que não seja perdido de vista. O mistério da cruz, por exemplo, que é celebrado na sexta-feira da Paixão é “refletido” em torno de 6 meses depois na festa da Santa Cruz (14 de setembro). A Imaculada Conceição de Maria é “refletida” mais ou menos 6 meses depois no dia do Imaculado Coração de Maria (que é amanhã). Cristo Rei, sempre pelo fim de novembro, está em paralelo semestral (meio que espelhado) com o quarto domingo da Páscoa, que é o domingo do Bom Pastor. É muito interessante essa didática da liturgia que está um tanto subentendida no calendário.

Se nós olharmos, então o Sagrado Coração de Jesus com esse prisma nós vamos descobrir que este dia está “espelhado”, por assim dizer, com a solenidade do Natal do Senhor. É uma solenidade que existe para não deixar o Natal morrer. Existe para que o mistério da Encarnação venha de novo pra diante dos nossos olhos. São duas datas litúrgicas que querem insistir em que se mergulhe no Mistério da Encarnação: Deus se fez ser humano, se fez carne, se fez gente como a gente.

Com certeza, quando Jeremias profetizou que Deus daria pastores segundo o coração Dele, o profeta jamais poderia imaginar que esse coração de Deus poderia realmente ser um ”coração” de verdade. Não em sentido metafórico como numa parábola, não apenas como um antropomorfismo bíblico, mas Deus em sentido concreto. Deus quis ter um coração de carne e sangue que bate como o nosso, que dispara quando se emociona, que dói quando se entristece e que para quando morre. A encarnação (celebrada no Natal e no Sagrado Coração de Jesus) é celebrada pra recordar a nós todos que Deus tem o seu trono lá no Céu (Sal 102/103), mas tem o seus pés aqui no chão.

Ora, se os pastores que Deus daria ao seu povo seriam SEGUNDO O SEU CORAÇÃO, de acordo com o Seu coração, em consonância com o Seu coração, então esses pastores seriam, de acordo com a promessa, homens com o coração tal como o de Jesus: muito de carne e muito de Deus, muito humano e muito divino, cheio de um espírito humanizado e humanizador, exatamente por estar cheio do Espírito Santo de Deus.

A segunda razão para celebramos a santificação e oração dos sacerdotes nesse dia vem, portanto, desta primeira. A teologia e a mística do sacramento da ordem têm o seu fundamento nesta junção de Divindade da segunda pessoa da Trindade e a Humanidade decaída e fragilizada pelo pecado (Encarnação, no Natal e no Coração de Jesus, é mistério cristológico e antropológico). O que a Igreja quer de nós ao colocar nosso dia de oração nesta solenidade é que olhemos PRIMEIRO, para o que este Deus de Carne É, o que este coração É, pra aí sim DEPOIS, aprendermos o que ele FAZ. Se existe algum fracasso, algum insucesso no ministério de um sacerdote é porque, em algum momento ou em algum aspecto, ele deixou de prestar atenção naquilo que É o Coração de Jesus e, por isso, não conseguiu fazer o seu próprio coração bater no ritmo do coração de Cristo.

Já se diz na metafísica de Aristótelesque a substância é anterior aos acidentes e que ela não muda em si mesma. Ora, em sentido comparativo, o coração de Jesus é a substância do ministério e da missão do Cristo. Por consequência, se eu tiver um coração como o de Cristo, tudo pode mudar ministerialmente ou pastoralmente, mas eu não vou me perder e nem me sentir perdido porque eu sei o que eu SOU.

E, afinal de contas, o que é que o Coração de Jesus É para que eu saiba no que é que o meu coração se tornou pela força do Espírito Santo na ordenação? Em primeiríssimo e mais evidente lugar, o coração de Jesus é HUMANO. A primeira coisa que precisamos aceitar é a nossa humanidade. Lembremo-nos que as aparições do Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque foram uma reação do próprio Jesus à heresia jansenista que via com muito pessimismo a natureza humana[2]. A mentalidade que surgiu derivada dessa heresia é a de que a natureza humana é ruim em si mesma e de que é ruim ser um ser humano. É aí que vem Jesus e se reapresenta como o humano mais humano dentre os homens, o bendito entre todos os homens da Terra.

PADRE, você é ser humano. Quem disse que você não pode chorar se o próprio Jesus chorou? Jesus chorou de tristeza e luta em Jo 11,35 diante do túmulo de Lázaro. Chorou por Jerusalém em Lc 19,41 (e o verbo grego Eklausen é “chorar de soluçar”), chorou no Getsemani segundo fala Hb 5,7 (chorou com forte clamor e lágrimas). Dizem por aí que homem não chora. Só se for Adão, o homem velho, o que não se arrepende, o que não reconhece seu lugar diante do Criador, o escravo do diabo; porque o homem novo é Jesus Cristo, e Jesus Cristo chorou! O homem novo chora!

PADRE, você é humano! Quem disse que você não pode descansar? Jesus descansou e chamou os seus discípulos para descansar em Mc 6,31. É verdade que o padre precisa se consumir como a vela que queima no altar, diz uma canção famosa. Ora, se até a vela que queima no altar tem a sua hora de ser acesa e depois é apagada pra descansar no armário da sacristia. Por que é então que você também não aprende a queimar a lenha da tua vida de um jeito que atua vida dure o máximo de tempo possível na face da Terra em favor dos irmãos?

PADRE, cuide da sua humanidade. Quantos padres doentes na alma com excesso de tristeza, depressão, com falta de sentido e entusiasmo. Não esconda isso e não se finja de forte quando você não é obrigado a ser. Não há vergonha nenhuma em pedir ajuda aos outros irmãos padres, a um diretor espiritual, a um profissional da saúde (psicólogo ou psiquiatra). Não há vergonha nenhuma em ter um coração que pede ajuda, já que nós queremos ter um coração semelhante ao de um homem que chamou 12 para fazerem companhia a ele, e enviou outros 72 pra auxiliarem na missão que era Sua. Vamos aceitar que somos feitos da CARNE DO CRUCIFICADO E NÃO DA MADEIRA DA CRUZ.

Mas para aceitar essa verdade de desejar ser humano como é humano o coração de Jesus, nós precisamos aprender também que esse coração é MANSO e HUMILDE. Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração (Mt 11,29). O que é a MANSIDÃO? O que é, afinal de contas, essa virtude que Jesus associa com a felicidade lá em Mt 5,5 quando Ele diz que bem-aventurados (que felizes) são os mansos? No imaginário popular existe uma ideia bucólica e romântica de que a pessoa mansa é a pessoa babaca, frouxa, mole, medrosa, de palavras meladas e adocicadas. Nada disso tem a ver com mansidão. Afinal de contas, o Jesus manso de coração expulsou no chicote um bando de vendilhões do Templo. O Jesus manso chamava os fariseus de hipócritas, de cobras venenosas (quando os chamou de víboras).

O homem manso não é alguém inerte, parado, imóvel como o imaginário popular mencionado agora ilustra. Quando nós dizemos, por exemplo, que um animal é manso (ou que foi amansado) nós estamos dizendo que ele aprendeu (que ele foi ensinado) a se deixar conduzir pelo seu dono. Ele é dócil às palavras do dono, aos comandos que dono emite, ele deixa o dono pegá-lo no colo e levar pra lá ou pra cá. Então o manso não é um ser parado, mas sim um ser que se deixa mover, que se deixa conduzir por outro que não as suas próprias vontades, instintos, apetites, paixões. Segundo Santo Tomás, a mansidão é a bem aventurança na qual a pessoa está totalmente guiada pela vontade divina[3], pelos dons do Espírito Santo.

Um sacerdote manso, portanto, não é um sacerdote imóvel, mas sim guiado pela coisa certa, pela pessoa certa que é o Espírito Santo do Pai, o mesmo Espírito que habita o coração de Cristo. O mesmo fogo que queima no coração Dele, queima no meu também. A mesma combustão que move o coração de Jesus move também a locomotiva da minha vida e do meu ministério nos trilhos da Palavra Dele, do Reino Dele, da justiça Dele, do amor e da caridade Dele. Ora, a filosofia grega já dizia que tudo o que se move é movido por alguma coisa[4]. O manso é aquele que se deixa ser movido, enquanto que o “não manso” é aquela criatura que quer se mover a si mesma com as próprias vontades, com os próprios critérios.

O “não manso”, ou seja, o contrário de manso segundo o dicionário[5] é o rude, o desagradável, o ríspido, o grosseiro, o intratável, o bruto, o nervoso, o ansioso. Ou seja, é o home carnal a que Paulo se refere na carta aos Gálatas no capítulo 5. Afinal de contas, o homem (e portanto o sacerdote) que foi AMANSADO (que tornou-se manso por Deus) e que agora é DÓCIL e guiado, conduzido, pelo mesmo Espírito que conduz o Coração de Jesus produzirá alguns efeitos de personalidade do próprio Jesus.

Segundo o texto de Mateus em que Ele manda aprender Dele que é manso, o predicado imediatamente associado à mansidão é a HUMILDADE. Pois Ele diz MANSO & HUMILDE de coração. Só será humilde quem antes for manso, e por outro lado, a mansidão de coração é conhecida pelo sintoma da humildade.  E realmente, orgulho e arrogância (que são o contrário da humildade) tem muito a ver com os adjetivos que nós dissemos agora como antônimo de mansidão. Por que a pessoa é grosseira ou rude? Exatamente porque ela é orgulhosa.

Como aplicar isso ao nosso caso de sacerdotes? Acredito que alguns textos ajudam muito como, por exemplo, Filipenses 2 que diz: Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outro superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens (3-7).

Então o que nós vemos na kenosis de Jesus? Ele que realmente é de uma condição superior, ou seja, é Deus com o Pai, de nenhuma forma fez questão ostentar este fato. Mas, ao contrário, tendo todo o Poder em suas mãos e sabendo da força que este poder tem sobre cada ser humano, Ele usou daquilo que Ele É (Deus) pra se aproximar de nós, pra estar perto de nós e para nos atrair a Ele. As demonstrações de poder no antigo testamento causaram espanto e medo como diz a carta aos Hebreus no capítulo 12,18-21 que diz ao povo da comunidade que eles podem se aproximar sem medo dos mistérios da Igreja. Isso porque agora, segundo o autor da carta, eles (os mistérios) não são mais fogo ardente, escuridão, trevas, tempestade, som de trombetas e clamor de palavras cujos ouvintes no Monte Sinai imploraram que não falasse mais porque estavam aterrorizados. As demonstrações de poder não funcionaram para aproximar o homem de Deus.

Ora, assim também nós sacerdotes temos que aprender de Jesus a usar daquilo que nós somos para aproximar de Deus e não pra continuar causando no povo o mesmo temor do antigo testamento. É triste quando o povo tem medo do padre! É triste quando um ministro de Deus, alguém que deve ser servo de Deus não tem um coração de carne como o de Jesus, mas de pedra como o Monte Sinai. É triste quando o comportamento de um servo de Deus, de um ministro de Deus torna o povo em volta dele mais parecido com o povo medroso do antigo testamento do que com o povo entusiasmado do novo testamento na manhã de Pentecostes.

Eu, como sacerdote, preciso meditar sobre o que é que o povo encontra quando se aproxima de mim nas reuniões, nas casas, na porta da sacristia, na sala de atendimento ou no confessionário. Será que eles encontram palavras que ardem machucando, escuras, que causam medo como no Sinai; ou encontram alguém que FALA COM AUTORIDADE, como diz Mt 7,29; alguém de quem eles possam dizer também NUNCA VIMOS NINGUÉM FALAR ASSIM, foi o que falaram os guardas do Templo que foram até Jesus pra prendê-lo e acabaram encantados com a Palavra Dele lá em Jo 7,46.

Falar e agir com autoridade não são o mesmo que falar e agir com poder. Jesus deixa isso muito claro. Toda autoridade tem poder, mas nem todos que tem poder sabem ter autoridade. Isso porque o poder diz respeito à condição natural de quem o tem como, por exemplo, o sol tem o “poder” sobre a água para fazê-la evaporar ou o fogo tem o “poder” de queimar e alterar a temperatura de qualquer coisa que se encoste a ele. Nem a água pode dizer que não vai evaporar e nem uma folha de papel pode dizer que não vai se queimar se jogada ao fogo. É a condição natural do sol e do fogo terem esse poder.

Com essa comparação fica fácil entendermos que a nós, sacerdotes, foi dado um poder. O poder de perdoar pecados, o poder de consagrar as espécies, o poder sobre os bens espirituais e temporais de uma paróquia (para aqueles que são párocos) ou de uma diocese (para o bispo titular). Basta um bom senso, um mínimo senso de proporção e de conhecimento das realidades cristãs pra saber disso. E se eu sei disso com maturidade e tranquilidade eu não tenho nenhuma necessidade de afirmar este poder para ninguém ou sobre ninguém, porque o poder se afirma por si mesmo. Ele é óbvio.

Já a autoridade, porém, não é óbvia como o poder. Ela é a reverência causada na mente e no coração dos que não tem o poder por aqueles que o tem. Causar essa reverência é uma habilidade que o “poderoso” (detentor do poder) precisa ter. E ele só terá se souber amar aqueles que foram confiados a ele. É por isso que a autoridade é semelhante ao amor, porque assim como eu não posso obrigar ninguém a me amar eu também não posso impor sobre ninguém a autoridade. Se eu impuser, esta coisa que eu estou impondo não é “autoridade”. É poder! A autoridade é reconhecida pelos governados, pelo liderados. Ela é atribuída POR ELES, e não IMPOSTA POR MIM. Ela não vai daqui pra lá, mas ela vem de lá pra cá.

Jesus Cristo conquistou autoridade sobre seus discípulos porque sabia falar, sabia escutar, sabia chorar com quem chora. Conquistou autoridade e conquistou o amor dos seus. E fez isso porque era entre os apóstolos O MANSO DO PAI, GUIADO PELO ESPÍRITO. Nós sabemos bem o que significa a autoridade cristã se nós puxarmos bem na memória do tempo de ministério e pensarmos quem foram as pessoas com quem mais nós pudemos contar. Quem foram as pessoas que nos amaram, admiraram, que queriam estar onde nós estávamos e que faziam absolutamente tudo o que a gente sugeria e propunha na comunidade? Quem foram os que mais trabalharam e serviram nas comunidades sob o efeito do mínimo pedido nosso? Por acaso essas pessoas foram pessoas com quem a gente gritou e esperneou? Não! Foram pessoas que em algum momento a gente acolheu e amou!

Jesus diz em Mt 18,15 que o nosso objetivo é o de “ganhar o nosso irmão”. Eu ganho quando converso, quando “troco uma ideia de boa”, quando me sento à mesa pra tomar um café, quando faço uma visita na casa dele, quando dou um abraço verdadeiro de pai. Na obra de Deus, no Reino de Deus, não se ganha ninguém no grito, não se ganha ninguém humilhando, não se ganha ninguém mandando indiretas e recados na homilia. Na verdade o que se ganha com isso é um número ainda maior de pessoas que têm medo de você, que adoraria te ver ir embora dali, que FINGE te respeitar quando na realidade estão apenas sendo políticas para não perder cargos e posições na comunidade (mas pelas costas jamais vão te defender. Pelo contrário, vão ajudar a malhar se tiverem oportunidade).

É claro que sempre haverá quem não goste de nós, mas eu preciso ter clareza diante de Deus e da Palavra do Evangelho sobre quais realmente são as causas pelas quais elas não gostam de mim. Elas não gostam de mim pela minha “matéria” ou pela minha “forma”? Veja, a “matéria” é aquilo DE QUE uma coisa é feita e a forma é o COMO essa coisa é feita[6]. Se eu sou “feito” do coração de Jesus, da mansidão de Cristo, da verdade do Evangelho; se as minhas palavras e ensinamentos não são outra coisa que não a doutrina da Igreja e da Palavra de Deus e é exatamente disso que as pessoas não gostam…

Aí infelizmente elas vão nos detestar mesmo, porque a gente não pode deixar de ser “feito disso”. Agora, se a FORMA com que eu transmito a Palavra, a doutrina, a disciplina; é uma forma grosseira e agressiva, então a raiva das pessoas não é contra a matéria cristã que me constitui, mas é contra a forma que ela é transmitida. Foram é uma coisa que pode mudar, e se for para o bem dos meus irmãos, vale a pena mudar.

Diversos documentos da Igreja (cf. Dignitatis Humanae 11, Unitatis Redintegratio 12[7], Caritas in Veritate na introdução,) gostam de relembrar um fato que nós corremos sempre o risco de nos esquecer na atualidade, já que o mundo anda tão polarizado e cheio de teorias e pregações. O fato de que quando a verdade é dita sem caridade e humildade, sem a mansidão do Coração de Jesus e a prudência dada pelo Espírito, ela de algum modo deixa de ser “verdade”. Ela não se torna uma mentira, mas se torna a mera EXPOSIÇÃO DE FATOS. Isso porque a verdade enquanto verdade gera encanto, atração; enfim, gera liberdade como diz Jesus em Jo 8,32.

Se ao invés de atrair, encantar, libertar ela apenas irrita e afasta, ela já não é mais verdade. Ela apenas é o conjunto dos dados e dos fatos sendo usados como um porrete de guerra. Como um sacerdote com o coração semelhante ao de Jesus eu devo pregar, ensinar e conversar com o intuito de fazer brilhar a verdade que LIBERTA. Libertar ás vezes nada mais é do que fazer o outro, ao menos, refletir e questionar. Não necessariamente convencê-lo a priori. Intrigar sim! Machucar, nunca! Isso a verdade não faz.

Enfim, irmão, o Coração de Jesus, sendo manso é também HUMILDE. Vamos refletir um pouco sobre nossa humildade tão necessária para o bom andamento do ministério e, por consequência, pra nossa própria felicidade.

Vou recorrer aqui às reflexões sobre a humildade feitas pelo saudoso bispo Dom Rafael Cifuentes[8]. Na sua obra sobre os sacerdotes para este milênio atual, ele propõe que a nossa humildade brota exatamente daquilo que já meditamos anteriormente, que é a aceitação daquilo que nós somos, da verdade a nosso respeito. É justamente por isso que Teresa de Ávila dizia que a humildade é a verdade. Porque a pessoa orgulhosa, na verdade, cria uma ideia errada sobre si mesma. Uma mentira, portanto. E acaba escrava da própria mentira que, às vezes, leva o sacerdote a um excesso indevido de autoestima, um narcisismo doentio, um culto à sua própria imagem. É preciso tomar cuidado! Realmente nós somos homens de valor, porque Cristo nos deu esse valor. Realmente há um tesouro incontável em nós. Mas é bom lembrar que o tesouro valorosíssimo está contido em vasos de barro (II Cor 4,7).

Como já dissemos anteriormente sobre esse reconhecimento de si mesmo, vale a pena, então, ir pra um passo adiante que é aquele em que a humildade leva a gente a se reconhecer como parte de um todo que é muito maior do cada uma das partes. O corpo de Cristo, cuja cabeça é Jesus à direita do Pai e o coração é o Espírito Santo que pulsa vida e graça, é muito maior do que um membro isolado. É importante que o sacerdote se lembre de que cada sacerdote no presbitério tem a sua aptidão, e que o Espírito Santo é quem cria a diversidade justamente pra que ninguém se arrogue detentor de todos os dons e reconheça que precisa do outro. A diversidade no presbitério educa para a humildade de todos e de cada um.

Precisamos cultivar um coração como o de Jesus que se alegra em ver o dom de Deus no outro tanto quanto se alegra em ver o dom de Deus em si mesmo. Quantas frustrações acabam entrando na mente do padre por não conseguir ser “o cara”, ter excelência e a perfeição em todas as dimensões que o ministério contempla. Um é bom administrador, mas se sente frustrado por não ser bom confessor. Um é bom confessor, mas vive frustrado por não ser um bom pregador. Outro é bom pregador, mas se sente péssimo por não ser bom administrador.

O que é mais irônico nisso é que cada um desses padres (o confessor, o pregador, o administrador, o zelador de conversões, o fazedor de pastoral) tem certo ciúmes de seus colegas como se nós estivéssemos numa competição para ver quem é que se sai melhor nisso ou naquilo. Isso aqui não é uma competição! Isso aqui é pra ser uma comunhão! Não somos uma empresa! Somos uma Igreja. Não fomos ordenados para produzir números. Fomos ordenados para produzir frutos de salvação cujos relatórios constam no livro da Vida, não nos livros das cúrias.

Não podemos nos esquecer de que Deus se serve da diferença de talentos naturais como instrumentos da graça. É quando eu me esqueço disso que vem a sensação de mal estar e culpa por não estar indo tão bem em algum campo de trabalho, ou pelo menos não tão bem como outros irmãos padres. Nós não podemos ficar nos comparando uns com os outros. Entre nós não existe o melhor ou o pior. Entre nós existe o “diferente um do outro”. Lembro bem de uma fala de Dom Ercílio Turco, bispo emérito de nossa Diocese de Osasco, numa posse de um padre em sua nova paróquia certa vez: “Cada padre tem seu rosto, e é o rosto de todos que forma o rosto de Jesus Cristo”.

No início da nossa meditação nós já dizíamos que precisamos no dia de hoje olhar para aquilo que somos antes de pensar já naquilo que fazemos. É com base nesse postulado que precisamos ter em mente o fato de que a nossa maior alegria é a vocação. Em segundo lugar é que vem a missão. A maior alegria de um cristão está NAQUELE QUE ME CHAMOU, e não no PARA QUE ME CHAMOU. O “para que” só terá sentido se eu estiver pleno no “Quem” me chamou, e no simples fato de ter sido chamado.

Nenhum sacerdote pode ser por si uma orquestra de sete executantes, pastoralmente falando. Se nós realizamos as tarefas primordiais e vemos que já não temos tempo para aquelas mais subsidiárias e secundárias, então não nos deve atormentar aquilo que é impossível. O que é absolutamente essencial? Em primeiro lugar aquilo que só nós e mais ninguém pode fazer: estamos celebrando bem a Santa Missa conforme manda a liturgia da Igreja? Estamos preparando bem a nossa homilia fazendo com que ela tenha foco nas leituras em questão (sem ficar violentando o texto na pregação para que ele diga o que eu quero dizer, e não o Espírito Santo quer)? Estamos com regularidade no confessionário? O povo sabe em que horário nos encontrar? E esse horário, é acessível aos que trabalham e estudam? Estamos atentos aos mais enfermos, idosos, frágeis? Nós nos preocupamos em oferecer ao povo ensino e instrução da Palavra e da Doutrina, as mais esmeradas o possível? Caso eu mesmo não saiba dar, eu busco quem o possa dar com qualidade ao povo que me foi confiado? Se a resposta a essas perguntas for SIM, pode ter a certeza de que Deus, nosso Senhor, não está nenhum pouco triste pelo fato de eu e vocênão termos alguma coisa de tão espetacular ou excepcional aos olhos de todos.

Deus não está preocupado se você construiu uma belíssima igreja revestida de mármores, granitos, ouro, vitrais, pinturas e mosaicos. É claro que essas coisas são boas e ajudam muitíssimo na evangelização sensível e na mistagogia litúrgica. Mas (porém, entretanto), essas coisas não podem ser tratadas como se fossem as primeiras numa hierarquia de valores cristãos. De nada valeria ter uma igreja esplendorosa na construção se ela estivesse vazia de comunhão e unção. Seria melhor um barraco de madeira cheio do amor de Deus do que uma basílica gótica infestada de demônios, fofocas, invejas e disputas carnais.

O coração de Jesus batendo em nós de verdade, meus irmãos, nos fará calcular muito bem o preço verdadeiro dos nossos projetos. E eu não me refiro a preços financeiros não. Eu me refiro a preços espirituais, afetivos, emocionais. Se o preço para erguer uma obra ou um trabalho pastoral for brigas uma atrás da outra, corações descontentes e feridos uns com os outros e todos com o padre; então é um preço alto demais pra ser pago. Se, ao erguer um edifício físico e pastoral, eu não fizer dessa edificação um MEIO PARA edificar NOS fieis um edifício de virtudes, então os meios estão sendo confundidos com o fim. Porque tudo, absolutamente tudo perderá seu sentido e sua razão de ser no dia em que eu trocar o cajado de pastor pelo chicote de capataz. Nesse dia o Coração de Jesus é novamente transpassado pela lança ao invés de ser consolado. Nesse dia eu estarei tirando novamente a espada da bainha e decepando orelhas no Getsêmani, ao invés de derramar minha vida no Calvário com Cristo.

No meio dos apóstolos foi assim. Aquele que quis se valer da força bruta, acabou negando a Cristo no final. Aquele que era apegado ao dinheiro, acabou traindo a Cristo trocando o próprio Salvador belo brilho das moedas de prata. Trocou o Deus verdadeiro por Mamon. Não, meus irmãos, a nossa riqueza brota do altar, mora no sacrário e se entretém com os irmãos mais pobres e frágeis acamados, encarcerados, famintos, depressivos, enlutados e sedentos de uma Palavra de vida eterna.

Por fim, eu gostaria de me encaminhar ao final desta reflexão contemplando um último aspecto do Coração sagrado de Jesus. O Coração de Jesus é SACERDOTAL. Jesus é o Sumo e Eterno sacerdote. A gente sabe bem disso e usa essa expressão “sacerdote” pra se referir sempre ao Senhor. Mas às vezes fica meio subjetiva, um tanto subentendida em algumas literaturas, documentos e assessorias certa resistência em se usar esse termo “sacerdote” pra se referir aos padres e bispos.

Pode ser uma impressão minha (e realmente eu espero que seja), e por isso mesmo pode ser uma impressão equivocada. Mas parece que existe em algumas mentes uma predileção exagerada, além do limite correto, pelo uso do termo “presbíteros” pra se referir a nós. É claro que o termo “presbíteros” é um termo correto, bíblico, patrístico e que também tem uma teologia belíssima de referência à sabedoria do Espírito que torna o ministro um ancião entre os seus irmãos não importando a idade cronológica. Ele remete à capacidade ministerial. Ele lembra que na comunidade cristã não é a idade que torna alguém líder (como era no judaísmo e em outras religiões não cristãs), mas é o conjunto dos dons que habilitam para o ministério. O maior exemplo bíblico disso é Timóteo que, sendo um presbítero, era um jovem (I Tm 4,12). Não estou querendo aqui nem desprezar e nem menosprezar o termo “presbítero”. Mas seria bom a gente chamar a atenção para um perigo de superestimar esse termo caso o uso dele seja feito para dar realce ao ofício, à função pastoral muito mais do que ao SER SACERDOTAL.

Talvez esse acento no uso do termo “presbíteros” seja por um escrúpulo de achar que ao chamar o padre ou bispo de “sacerdote” os fieis vão começar a associar o sacerdócio como sendo uma condição exclusiva deles já que, na verdade, todo o povo de Deus é um povo sacerdotal. É verdade sim que todos somos sacerdotes pelo batismo (sacerdócio comum). Mas é também verdade que o povo não saberá ser sacerdote no mundo se eles não tiverem uma referência de sacerdócio na Igreja. É justamente para o bem do povo sacerdotal (para o benefício deles) que o padre precisa se reconhecer como sacerdote. Ninguém duvida que o povo nos tenha como referência. Ora, então se nós que somos referência tivermos aversão à figura do sacerdócio que é nosso, é óbvio que o povo terá também aversão do papel sacerdotal que é dele.

A Lumen Gentium no número 10 diz clara e abertamente: O sacerdócio comum dos fieis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas no grau. Essa é a Fé da Igreja que nos confiou o ministério (e se foi ela que nos deu é com ela que nós temos que entendê-lo). Se o termo “presbítero” é o melhor pra recordar a capacidade do ofício, o termo “sacerdócio” é o mais adequado pra recordar (tanto ao padre quanto ao povo) que nós não distinguimos apenas por aquilo que nós fazemos. Nós nos distinguimos por aquilo que nós SOMOS.Alguns podem ter dificuldade com essa afirmação de que nós somos diferentes do povo, diferentes dos fieis leigos na essência como diz a LG. Mas isso é um equívoco de conceito que existe na mente de quem tem a dificuldade, e não na Fé da Igreja. Porque dizer que alguém é DIFERENTE não implica em dizer que é MELHOR ou SUPERIOR. O adjetivo “diferente” não carrega juízo de valor em si mesmo.

Nós já falamos aqui do quanto a diferença, a diversidade é fundamental para que um clero local seja rico e se edifique mutuamente. Na comunidade local é a mesma coisa. É exatamente por ser sacerdote de um modo DIFERENTE é que eu posso prestar um serviço DIFERENTE, sem igual, singular aos meus irmãos. A diferença no nosso sacerdócio é, portanto, o maior benefício que nós podemos oferecer ao Povo de Deus. Se eu tentar me igualar eu estarei FALTANDO COM A HUMILDADE justamente porque eu estarei roubando da comunidade o sacerdote ordenado deles (que no caso sou eu).

Humildade é a justa medida entre a soberba e a negligência, entre o orgulho e a irresponsabilidade. Quando eu insisto em querer me parecer com os leigos, me comportar como um leigo, me vestir como se fosse leigo, enquadrar o ministério em horário comercial como se eu fosse um funcionário leigo; quando eu faço isso eu estou negligenciando ao povo o maior Dom que Jesus Cristo quis dar a eles que era o de ter um homem que fosse no meio deles um sacramento Dele próprio enquanto Mestre, Pastor, Rei, Profeta E SACERDOTE (caso do padre fritando pastel…).

E, afinal de contas, O QUE É UM SACERDOTE? Todas as religiões sempre tiveram sacerdotes. O sacerdócio é uma categoria antropológica na religião, como que um senso mais puro e comum de que o ser humano tem sede de MEDIAÇÕES para acessar aquilo que é Sagrado e Divino. Os babilônicos tinham os magos, os índios tinham os xamãs, os gregos tinham sibilas e pitonisas, os hindus têm os brâmanes e por aí vai. Toda religião humana, portanto, tem sacerdócio.

Deus, no processo de revelação, não só não aboliu, mas assumiu a categoria sacerdotal desde o antigo testamento elegendo Aarão e depois toda a tribo de Levy para o sacerdócio do Templo. E, por fim, vem Jesus pra ser o Supremo Sacerdote. Essa palavra em português “sacerdote” é a junção no latim arcaico de outras duas: sacerdos (sagrado) e otiis (aquele que descansa, que vive em). É o homem que repousa no sagrado e que , por isso, une nele mesmo o mundo humano e o mundo divino.

Ora, não é exatamente o que Cristo é? Ele mesmo É A união de Deus e do Homem. Veja bem, Jesus não “faz” a união. Ele É A UNIÃO, Ele É A PRÓPRIA MEDIAÇÃO. O Sacerdócio do Cristo, portanto, é mais um SER do que um FAZER. Jesus, graças ao Espírito Santo, está simultaneamente no PAI e na HUMANIDADE. O Espírito une essa segunda Pessoa da Trindade eternamente ao Pai e, ao mesmo tempo, encarna essa pessoa no ventre de Maria. Estamos aqui terminando onde começamos: no Mistério da Encarnação. Nós precisamos com muita insistência mergulhar, por uma vida ascética e espiritual, nesse mesmo Espírito Santo que gerou sobre a Face da Terra um homem que une Nele mesmo o Céu e a Terra, a Divindade e a Humanidade. É isso que o mundo está esperando encontrar. Nem o próprio mundo sabe, mas ele tem uma sede. Uma sede de ver Deus andando na Terra no meio dos homens. Isso está gravado no inconsciente adâmico do ser humano.

O que seria esse inconsciente adâmico? Explico: O homem, quando foi criado, foi criado para ver Deus descendo e andando como ele na Terra (Gn 3,8). E desde que a humanidade foi expulsa do Paraíso do Éden ela tem saudades de lá. Ela tem saudades da visita de Deus andando com ela aqui, agora, nesse mundo. Esta saudades está no inconsciente, ou seja, no profundo da alma de todo ser humano desde Adão. Depois de perder o Éden a humanidade pediu, implorou que o céu chovesse de volta o seu Consolador, o seu Criador (no Advento, Is 45,8). Até que Ele veio, finalmente, numa noite fria e escura de Belém da Judeia. Na escuridão daquela noite se acendeu uma luz na manjedoura. No frio daquela noite nasceu alguém que tinha Fogo pra aquecer e que, realmente, veio lançar esse fogo sobre a Terra.

E agora, meus irmãos sacerdotes? Em volta de nós hoje, agora, aqui nessa Diocese, nas nossas cidades e nos nossos bairros, ainda existe uma noite pra ser iluminada. Ainda existe um frio em que as pessoas estão procurando um fogo pra se aquecer. E é em nós, em mim e nos senhores, que o Espírito deseja CONTINUAR A ENCARNAÇÃO do VERBO na história. Dois mil anos atrás os anjos foram até os pastores anunciar que HOJE CHEGOU PARA VOCÊS UM CRISTO, UM UNGIDO DE DEUS.

Alguns anos atrás (ou alguns meses, para os mais novos), no dia da nossa Ordenação, também foi dito aos olhos do povo que ali estava: HOJE NASCEU AQUI PARA VOCÊS UM CRISTO, UM UNGIDO DE DEUS (e mostraram as nossas mãos àquele povo). O bispo foi trazido até a Diocese e aquele que presidia a posse de algum modo disse: HOJE CHEGOU AQUI PRA VOCÊS UM CRISTO, UM UNGIDO. O padre foi nomeado para a paróquia como pároco ou vigário, e com isso, o povo, no dia em que ele chegou, disse com alegria: HOJE CHEGOU PARA NÓS UM UNGIDO, UM CRISTO. No hoje e no agora, nós somos “alterchristus”, outros Cristos. É aquilo que nós somos, a grande alegria e a grande esperança do Povo sacerdotal. E se eu não for todos os dias aquilo que eu me tornei na Ordenação, haverá uma frustração no plano da Encarnação.

Isso porque Belém pôde dizer que nela o Coração de Deus bateu por eles. Nela um homem uniu nele mesmo, diante de todos, a Divindade e a Humanidade. Em Belém os homens na Terra puderam ver Deus num homem e os anjos do Céu puderam ver num homem o seu próprio Deus.

Em Jerusalém os homens da Terra puderam ver o coração de um Deus sangrando e se entregando como homem, e os anjos do Céu puderam ver o Coração de um homem amando e salvando como só um Deus tem poder pra salvar.

Belém teve um Cristo, um Ungido. Jerusalém também teve um Cristo, um Ungido. Deus enviou divina e humanamente o Seu Ungido a elas duas. E agora chegou a vez de Osasco, ser visitada pelo UNIGIDO DE DEUS (Osasco, São Paulo, Carapicuíba, Barueri, Jandira, Itapevi, Cotia, Vargem Grande, São Roque, Ibiúna, Mairinque, Alumínio, Araçariguama). E eis que eu trago a boa nova de uma grande alegria, senhores: Bendito seja o Senhor Deus de Israel porque ao povo dessas cidades Ele visitou e libertou e fez surgir UM UNGIDO, que sou eu e que é você. Meu irmão sacerdote, você é profeta do Altíssimo, ó menino. Você foi escolhido pra ir à frente do Senhor para aplainar e preparar os Seus caminhos anunciando pra esse povo a Salvação. Não tem outro! Ele não quis outro! Se nós não fizermos isso Ele até pode levantar outro pra salvar o Seu Povo, porque Ele não vai deixar o povo sem salvação.

Mas HOJE e AGORA somos eu e vocês, meus irmãos, que precisamos mostrar, revelar, demonstrar ao povo dessas cidades de que jeito é que o Coração de Jesus bate por eles. Os anjos no Céu já sabem que o tesouro do Filho de Deus foi colocado aqui nesses homens. Resta saber se nós já estamos mostrando aos homens o brilho desse tesouro de Deus. Isso é um SACERDOTE! É alguém que, nele mesmo, Deus tem uma ponte pra vir aos homens, e pela mesma ponte os homens encontram a Deus.

Vamos então, meus irmãos, sem medo nenhum, conviver mais na casa de Nazaré pra nós aprendermos ali como é a vida de um Homem-Deus. A casa de Nazaré, misticamente, é o local em que a sombra do Espírito gera um Cristo, um homem divinizado e um Deus humanizado. De 33 anos de vida histórica na encarnação, Jesus só viveu 3 NO FAZER MINISTERIAL e 30 NO SILÊNCIO COM MARIA, a serva do Senhor. Isso demonstra que o bom serviço aos homens se faz passando mais tempo na companhia do Céu (Maria, José, a sombra do Espírito, a sinagoga) do que trabalhando e fazendo propriamente na Terra. O bom serviço de salvação brotou como resultado, quase como uma consequência natural, de uma convivência com as realidades sagradas.

Vamos fazer hoje, então, propósito firme de modelar o nosso coração nos mesmos moldes em que foi moldado o coração de Jesus: nos moldes da companhia de nossa Senhora e de São José, nos moldes da oração, nos moldes do mergulho na Sagrada Escritura, nos moldes de uma constante ida ao deserto (ao silêncio) para ali vencer as tentações e as ofertas mentirosas que o mundo e o diabo nos fazem.

Diante de Jesus vivo, real e presente, com o Coração palpitante na Eucaristia, vamos suplicar a Ele que nos renove de dentro para fora. Do nosso ser ao nosso fazer. Porque de nada adiantaria a gente tentar melhorar a repercussão do nosso apostolado sem, antes melhorar a nós mesmos. Quando eu quero melhorar minha homilia, melhorar meu comportamento social, melhorar minha oração, melhorar minha liturgia; mas não quero melhorar a mim mesmo, seria como ficar dando analgésicos pra uma febre sem atacar as causas dela com um bom antibiótico.

Vamos cooperar com a graça de Deus com empenho e esperando Dele (e apenas Dele. De ninguém mais) a recompensa e o reconhecimento pelo nosso ministério. E que um dia, quando nós nos apresentarmos ao Senhor, nosso justo Juíz, ao invés de ouvirmos a triste exclamação “apartai-vos de Mim”, a gente possa escutar um sonoro contente “Vinde, bendito de meu Pai! Porque você foi fiel no pouco eu vou te confiar mais. Entra na alegria do meu banquete. Banquete que você conhece por passou a vida toda servindo dele para os teus irmãos. Agora senta porque chegou a hora de você se fartar”.

Mas isso, meu irmãos, só poderá escutar aquele sacerdote que puder chegar no julgamento tendo nas mãos o próprio coração (como Jesus diante de Santa Margarida Maria) e puder dizer ao Pai: “Pai, eis aqui um Coração que tanto amou a Ti e aos homens, mesmo tendo recebido de muitos deles um bocado de ingratidões! Está aqui, um coração que se feriu, que chorou, que suou sangue e verteu lágrimas. Mas que se alegrou, porque valeu a pena! Foi difícil te seguir, Senhor, mas foi impossível Te deixar”. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!!!

[1]https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/letters/1995/documents/hf_jp-ii_let_25031995_priests.html

[2] SOUZA, Evergton Sales. Jansenismo e reforma da Igreja na América Portuguesa, Salvador: UFB, 2001.

[3] Suma Teológica Seção I, Parte II, Questão 69, artigo 3.

[4] ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2006; Quando fala sobre o motor imóvel.

[5] DICIONÁRIO MICHAELIS DA LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Melhoramentos, 2001.

[6] ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2006; Quando fala sobre causas formais e materiais.

[7] COMPÊNDIO VATICANO II. Constituições, decretos , declarações. 29. ed. Petrópolis: Vozes. 2000.

[8] CIFUENTES, Rafael Llano. Sacerdotes para o terceiro milênio. Aparecida: Santuário, 2009.

O que é realmente o ECUMENISMO?

O que é realmente o ECUMENISMO?

Um dos objetivos principais do Concílio Vaticano II foi a reintegração de todos os cristão, segundo a Unitatis Redintegratio 1. Para isso o Magistério nos tem orientado nos últimos 50 anos pós-conciliares acerca da necessidade de uma busca sempre mais acentuada pela unidade entre aqueles que professam a messianidade de Jesus, pregam o kerigma comum, a fé trinitária, o lugar privilegiado da Escritura Sagrada e tantos outros pontos que constituem as bases da fé cristã. Diferente do diálogo inter-religioso que busca unidade entre membros de religiões diversas (cristãs ou não),o Ecumenismo é este movimento no qual se busca a unidade entre igrejas exclusivamente cristãs . Para isso ocorrem encontros, debates e reuniões diversas para se colocar em pauta comum aqueles elementos da fé que nos unem que, diga-se de passagem, são mais numerosos do que aqueles que nos separam(UR 4). É bom que se entenda que este encontros ecumênicos não são uma espécie de frequência de católicos e cultos evangélicos ou Missas nas quais pastores se sentam no presbitério ao lado dos padres ou pregam a Palavra na liturgia. Não é nada disso! Digo dessa forma porque aqueles que nos atacam por fazer este trabalho ao a entender que é desse tipo que eles têm em mente quando se fala em ecumenismo. Se fosse realmente isso, nem eu mesmo faria parte do movimento ecumênico. Este trabalho não intui de forma alguma confundir os credos de cada comunidade cristã e muito menos fazer com que cada uma renuncie a uma parcela de sua convicção religiosa em nome de uma política de boa vizinhança. Qual o objetivo concreto deste trabalho? O objetivo é proporcionar ambientes nos quais católicos e evangélicos protestantes possam conviver em atmosfera de fraternidade e comunhão, na oração e na leitura da Palavra. Para muitos isso soa como uma quimera, algo impossível ou utópico, mas para nós do movimento ecumênico não é outra coisa senão um fato, algo que já temos experimentado numa série de eventos já ocorridos. Cabe aqui ressaltar que o que se pretende com o ecumenismo não é a capitalização de evangélicos para a Igreja católica. O ecumenismo visa figurar aquela unidade plena desejada por Jesus, pois muitos não creem no Evangelho em virtude da divisão dos cristãos. Essa divisão foi feita por nós homens. Ela é fruto do nosso pecado, sem que na história tenha faltado culpa tanto de católicos quanto de protestantes (UR 3). Só Deus pode sanar as consequências de nosso pecado, e é por isso que nos encontramos. Só se estivermos junto em oração, como no Cenáculo, é que o Espírito poderá restaurar essa unidade plena outrora maculada por nossos caprichos e pecados históricos. Encontramo-nos para estarmos juntos, e pronto. Comunhão em si mesmo é algo precioso. Desta comunhão brota um desejo sincero de buscarmos a Cristo e aos dons do Espírito Santo. Nós do ENCRISTUS (encontro de cristãos na busca de unidade e santidade) fazemos da oração em comum o ponto central de nossas reuniões. Somos carismáticos e pentecostais, de tradições cristãs distintas, mas com um profundo desejo de vivermos os dons espirituais independentemente das perspectivas teológicas que cada tradição possua a respeito dos mesmos. Na prática, línguas estranhas são línguas estranhas, profecia é profecia. Desejamos seus efeitos edificadores em nossas vidas.

Por que tantos criticam este trabalho e o veem com tanta estranheza e preconceito? Penso que isso se dê por pelo menos três razões. A primeira delas é por total desconhecimento daquilo que de fato vem a ser o ecumenismo. Geralmente são pessoas que não visitaram os textos do Vaticano II a respeito disso e por ideologias próprias discordam da eclesiologia contida nos textos conciliares, chegando, com isso, a se posicionarem não só contra as iniciativas ecumênicas, mas contra tudo aquilo que é areal ortodoxia da fé católica. Essas pessoas tem problemas não só com ecumenismo, mas com a liturgia de Paulo VI, com as estruturas pastorais criadas para beneficiar a salvação do nosso povo. Enfim, o problema delas não é com o Ecumenismo propriamente dito, mas sim com o Concílio Vaticano II. A segunda razão é a corrente distorção conceitual. Quando se fala em ecumenismo, algumas pessoas já confundem com diálogo inter-religioso, que é o diálogo entre cristãos e outras religiões não cristãs (aliás também previsto pelo VaticanoII na Nostra Aetate). Já acham que são encontros com pais de santo, bruxas ou coisa do tipo. Criam uma ideia de ecumenismo sem nem mesmo saber o que realmente é. Outros acham que o padre vai rezar uma missa e fazer aquelas “inculturações” descabidas em nome de uma unidade de credos. Outro absurdo! Mas uma terceira razão ainda é possível. Aqueles que possuem insuficiente catequese e falta de profundidade na própria fé católica acabam por ver como um perigo a aproximação com pessoas que tenham outras concepções que não as nossas, pois tal atitude seria nociva à nossa fé e nos confundiria as ideias. De fato, para quem não tenha consistência no próprio catolicismo, penso que muito mais urgente do que dialogar com evangélicos é a necessidade de estudar sobre sua própria Igreja. Ecumenismo é alimento sólido. Não pode ser dado pra quem não tem como digerir, ou pra quem nem dentes tem para mastigar. Feijoada não é para bebês! Antes de tudo, o ecumenismo é um dom do Espírito para ser posto a serviço da unidade da Igreja. Quem não recebeu este dom não tem como apreciá-lo de fato, e o verá com estranheza. Recordo muito do tempo em que eu, por exemplo, achava oração em línguas umas coisas feia, absurda e fanatizada. Até o dia em que eu recebi o dom. Hoje não sei o que é vida espiritual sem ele. Também me recordo de quando eu tinha aversão ao latim e ao gregoriano na liturgia. Achava coisa retrógrada e fora de propósito. Até o dia em que o Espírito Santo e os estudos me ensinaram a mistagogia da Missa e a correta compreensão que se deve ter dos ritos sacramentais. Hoje sou apaixonado por tão precioso patrimônio da fé católica. Com o ecumenismo foi exatamente assim. Lembro como se agora fosse aqueles dias em que a raiva e a indignação para com evangélicos protestantes me orientavam os sentimentos. Até o dia em que recebi o dom de ter em mim os sentimentos da Mãe de Deus, da Mãe que ama os filhos da Igreja ainda que estes filhos estejam aqui ou acolá. Sentimentos de Igreja Mãe e Mestra, e não mais de irmã birrenta como a do irmão mais velho na parábola do filho pródigo. Só peço aos que não simpatizam com este dom, que orem por nós que o recebemos ao invés de atacar; que estudem ao invés de disseminar ideias equivocadas e que peçam ao Santíssimo Sacramento o discernimento adequado sobre o que por amor a Igreja Católica temos feito de ecumênico. Peço que, com sinceridade e insistência, peçam a vontade de Deus em suas vidas também quanto ao que pensar sobre o assunto. Se a Sé apostólica de Pedro já afirmou que ecumenismo não é mero apêndice da fé católica, mas parte orgânica de sua vida e de seu todo (Ut unum sint, 20), então quem não concorda é que deve buscar sua conversão à Fé Católica da Igreja. Até que se encontre em Jesus o convencimento para tanto, só há para um fiel católico o direito ao silêncio, e não à contestação. Contestar fará do fiel alguém tão protestante quanto aqueles a quem ele pretende manter longe de nós. Nossas crises eclesiológicas não se curam em debates, mas no sacrário. Ali está a cabeça da Igreja. Não queira pensar com outra cabeça que não a da Igreja. Assim serás pedra fundamental com Cristo, e não pedra de tropeço para teu irmão.

MAS… ONDE ESTÁ ISSO NA BÍBLIA? Nossa relação com a Palavra de Deus

MAS... ONDE ESTÁ ISSO NA BÍBLIA? Nossa relação com a Palavra de Deus

        Sempre surgem reflexões preciosas sobre a Palavra de Deus e a partir dela em nossas comunidades. Este é um fato que nos é sempre motivo de alegria, pois a Palavra de Deus é luz para os nossos passos, conforme o salmista (Sal 118,105).Todavia, compreensões não católicas por vezes se infiltram no nosso meio de forma tão violenta que nosso povo se encontra encurralado quando questionado acerca de elementos da Palavra. Quem nunca foi abordado por um irmão de outra denominação com as perguntas “me mostra na Bíblia”, ou “cadê isso na Palavra?”. Muito bem intencionados os fieis se desesperam em procurar todas as justificativas da fé católica na Bíblia na tentativa de devolver na mesma moeda o desafio feito. Na verdade não é este o caminho. Deve estar claro para nós que somos a religião da PALAVRA, e não do Livro. A Palavra não se restringe ao texto da Sagrada Escritura, mas ela é o Verbo de deus que se encarnou, isto é, Jesus Cristo. Palavra, portanto, não é um livro, mas uma pessoa (Verbum Domini 7). Jesus é a Palavra de Deus, antes mesmo que a Bíblia o seja. Para nós católicos, portanto, a Palavra de Deus está contida na Bíblia que é a Palavra de Deus escrita, mas também na Tradição apostólica e no Magistério da Igreja que transmite esta Tradição ao longo de dois mil anos. Tradição e Magistério são veículos da Palavra tanto quanto a Bíblia, e disso a própria Bíblia nos dá testemunho. O evangelista João deixa claro que muitas outras coisas foram feitas por Jesus que não estão escritas (Jo 21,25). Paulo exorta os tessalonicenses a obedecerem não só o que lhes foi ensinado por escrito, mas também por tradição oral (II Ts 2,15). Os apóstolos o conviveram com o Senhor, tocaram e viram a Palavra Encarnada da Vida (IJo 1,3). Aquilo que está escrito na Bíblia é, portanto, fruto de uma experiência apostólica com Jesus, o que torna a Escritura filha da Tradição. Uma não pode e nem deve ser entendida sem a outra, pois é a Tradição viva da Igreja que nos faz compreender adequadamente a Sagrada Escritura como Palavra de Deus, (Verbum Domini 17). A Bíblia foi escrita NA Igreja e PELA Igreja. Sendo assim, nada a Igreja deve crer fora da Escritura. Mas também nada na Escritura deve ser lido ou interpretado fora da Fé da Igreja e de sua tradição apostólica de dois mil anos. De igual modo, o Magistério da Igreja é a composição do colégio dos bispos do mundo todo em comunhão com o papa, responsável por transmitir ao longo dos séculos a Palavra de Deus escrita na Bíblia e contida na Tradição. Ninguém pode pretender compreender a Palavra de Deus sem que tal compreensão passe pela interpretação do Magistério, pois “nenhuma profecia da Escritura é passível de interpretação particular” (II Pe 1,20). É ao Magistério da Igreja que compete o encargo de interpretar a Palavra de Deus escrita ou contida na Tradição (DeiVerbum 10). Este “tripé” da Revelação divina é para nós católicos de fundamental importância para que não nos percamos na leitura bíblica resvalando em interpretações erradas sobre os diversos textos sagrados. Quando questionados, portanto, sobre onde está essa ou aquela doutrina de nossa fé, basta saber que ela é ensinada pela Igreja de dois mil anos, a Igreja que estipulou o cânon bíblico no Novo Testamento com os evangelhos e epístolas que ali estão; a Igreja que transmite a Tradição e a ensino pelo Sagrado Magistério. Por isso, todos os domingos proclamamos solenemente que cremos na Santa Igreja Católica, pois éela (a Igreja) a grande serva e guardiã da Palavra de Deus.

           Entenda uma coisa: TUDO o que a fé católica crê está sim na Bíblia no sentido de que os FUNDAMENTOS estão ali escritos. O problema é que, quando nos perguntam “onde está na Bíblia” na verdade não é apenas essa a pergunta que estão querendo fazer. Afinal, se mostrarmos “onde” está nos dirão “ah, mas esse trecho não quer dizer isso que vocês dizem”. Então a pergunta que pretendem fazer é outra. A pergunta é “como vocês leem isso na Bíblia?” e não “onde isso está?”. Os critérios para se interpretar o texto são tão ou mais importantes quanto o texto em si, mas o texto em si mesmo é apenas texto, mas o texto com a sua interpretação e iluminação divina se torna Palavra de Deus. O antigo problema, portanto da querela “Onde está na Bíblia?”, precisa ser resolvido com outra pergunta: “Quais critérios serão válidos para interpretar o texto quando eu mostra-lo a você?” e “De quem é a autoridade para dizer que o texto quer dizer ‘isso’ e não ‘aquilo’?” Creio que ninguém se oporia a afirmar que a autoridade que determinou que esse texto pode estar na Bíblia e outros não, é a mesma autoridade que pode interpretá-la e dizer o que ela verdadeiramente está falando. Ora, essa autoridade é o Magistério da Igreja. Foram os bispos da Igreja Católica em comunhão com o papa que ao longo dos séculos determinou quais livros fariam parte do cânon bíblico, isto é, da lista de livros que podiam ou não ser inspirados por Deus para a leitura nas comunidades cristãs. Ora, a Igreja teve autoridade para dizer o que seria “Bíblia” ou não, mas não tem autoridade para dizer o que ela quer ou não dizer? Mas se ela não tem autoridade para interpretar o texto, então também não teve autoridade para determinar que Mateus é evangelho inspirado. Logo, tanto faz ler Mateus quanto o apócrifo de Tomé ou de Maria Madalena. Sabemos a que confusão isso levaria a fé cristã, não é mesmo. Tendo estes elementos da Revelação Cristã em vista, estaremos sempre seguros de que a Palavra de Deus por nós aprendida e ouvida é de fato luz, guia, bússola segura quando usada na barca verdadeira que é a Igreja. Como membros da Igreja que somos esta bússola nos deve nortear em todas as escolhas, atitudes e posturas cotidianas. Para isso se faz necessário um contato diário com a Palavra de Deus contida na Escritura bíblica. A leitura orante, conhecida como lectio divina, é um grande instrumental nas mãos do fiel cristão. É fundamental todos os dias tomara leitura proposta pela liturgia corrente, ler com atenção, orar ao Espírito Santo para que traga luzes sobre o texto lido e louvar a Deus por aquilo que Ele sempre nos fala quando fazemos este exercício. Faça você essa experiência enriquecedora com a Palavra de Deus, pois “ quando lês, é Deus que te fala” (Santo Agostinho). Ali a Palavra nos fala à vida pessoal e também à vida comunitária, e aos compromissos que temos em Cristo com nossos irmãos; a Palavra de Deus constrói comunidade e, por isso mesmo, a leitura comunitária da Palavra deve ser fomentada neste mês como meio de amadurecer nos vínculos cristãos. Que a Virgem Maria, aquela que gerou em seu próprio seio a Palavra de Deus, nos ensine a sermos ouvintes atentos desta Palavra que é seu próprio filho. E que em contato orante com a Sagrada Escritura aprendamos sempre mais a fazer tudo o que Ele nos disser (Jo 2,5)

É pecado não gostar de rezar o terço?

É pecado não gostar de rezar o terço?

       Vamos primeiro entender a oração do terço e o que a Igreja ensina a respeito para concluirmos se é ou não pecado gostar de reza-la. A oração do santo terço ou do rosário constitui uma das mais antigas da Igreja. Foi se formando gradualmente no segundo milênio da nossa era e continua sendo uma oração estimulada pelo Magistério e por numerosos santos. O papa João Paulo II enfatizou-a instituindo em 2002 o ano do Rosário e formulando cinco novos mistérios para o rosário mariano. Na ocasião escreveu uma carta apostólica chamada Rosarium Virginis Mariae que aconselho ser lida para melhor compreensão do tema. Ali nessa carta o papa deixa claro que o terço é uma oração cristocêntrica (com Cristo no centro), pois tem a intenção de meditar os mistérios da salvação operada pelo Senhor. Funciona como um compêndio, um resumo do Evangelho já que os principais fatos da vida de Cristo são contemplados por meio do rosário. Ela é uma oração de contemplação. A repetição das Ave-Marias não pretende, em primeira instância, significar uma súplica à Virgem Maria, mas sim uma união a ela para que, com ela e ao lado dela, se medite aquele mistério do Cristo que é proposto. Mais do que uma oração a Maria é uma oração COM Maria a Jesus, para olharmos Jesus como ela olhou e olha. No meio de cada Ave-Maria está o nome JESUS para deixar claro que é uma oração que tem por finalidade o próprio Senhor. Num mundo em que muitos têm procurado tantas formas alternativas de religiosidade, recursos de recolhimento e meditação, o rosário se torna uma excelente proposta tão antiga e ao mesmo tempo tão nova e pertinente para os dias atuais. Voltar a atenção aos mistérios da salvação significa meditar sobre aquilo que realmente pode dar respostas aos anseios mais profundos de cada ser humano. Diante disso podemos tirar algumas conclusões sobre o porquê de alguém não gostar de rezar o terço. Alguns podem não gostar por não compreenderem do que se trata e, portanto, não saberem rezar como se deve. Limitam-se a mera recitação das fórmulas ao invés de mergulhar nos mistérios, o que torna a oração do terço algo enfadonho, sem graça e árido. O erro está em quem reza, e não no rosário em si mesmo. Outros podem não gostar porque, na verdade, têm problemas não com o terço em si, mas com a oração de modo geral. Não param para falar com Deus, não disciplinam a própria rotina de forma a torná-la orientada a Jesus Cristo e não se convenceram de que a história da salvação meditada no terço é a nossa história também. Somos parte integrante dos mistérios meditados. A oração do terço não é, conforme o Magistério, uma obrigação como o é, por exemplo, a liturgia para nós católicos. Mas ela é uma forma de aprofundar e até de continuar na própria vida aquilo que se celebra na liturgia dos sacramentos. Por isso mesmo o terço é um sacramental. Um bom católico não se restringe a fazer apenas o que é essencial, mas por amor desejará aperfeiçoar sempre mais sua espiritualidade. Se a Igreja propõe o terço como um meio para isso, penso que um sentimento de repúdio a ele seja não o pecado propriamente dito, mas seja sim o sintoma de um pecado anterior que é o da acídia, ou seja, da preguiça espiritual e falta de empenho em estar em comunhão com Deus. Uma pessoa assim acaba por não gostar do terço, mas também de todas as outras formas de oração pessoal. Isso terá como consequência uma gradativa aversão à Missa, à confissão e outras formas de piedade cristã, como uma bola de neve que vai aumentando sempre mais. “Vigiai, pois, em todo tempo e orai” (Lc 21,36a).

Pense nisso !!!